Nome de família

A fixação de nomes e sobrenomes, na Itália e em outros países europeus, deu-se entre o fim da Idade Média e início da Era Moderna.

A partir do século XI existia uma situação relativamente estável, caracterizada pelo uso de nomes individuais. A família se consolidou no século XII, quando aperfeiçoou a sua estrutura e o seu papel no tecido social. A partir de então, tornou-se inadequado um sistema de denominação fundado apenas no nome individual.

Os notários, em particular, preocupados com a redação de documentos, queriam evitar qualquer possível confusão sobre a identidade das pessoas envolvidas numa ação, por isso tendiam a multiplicar as referências à descendência paterna.

Uma característica fundamental dos sobrenomes era a instabilidade na sua pronúncia. Eram determinantes questões ligadas aos estratos sociais de famílias das cidades ou do interior, de famílias mais ricas ou mais pobres.

Foi no Concílio de Trento, realizado no período de 1546 a 1563, que os sobrenomes italianos ganharam padrões ortográficos. A partir desse concílio todas as paróquias passaram a registrar, em livros próprios e específicos, nascimento, batismo, crisma e óbito de todos os paroquianos. Esses registros eram feitos em língua italiana. A partir dessa histórica decisão, os sobrenomes passaram a ganhar forma definitiva.

O sobrenome (cognome, em italiano) parecia ser apenas um acessório do nome. Na sua evolução, passou a identificar um indivíduo do ponto de vista social, familiar e geográfico, e era também o elemento que distinguia os indivíduos.

Era costume dar ao primogênito o nome do avô, e aos outros filhos, o nome de algum outro parente. O uso de apelidos (cognomi) tornou-se necessário pelo fato de muitas famílias terem membros com nomes iguais, e isto trazia não poucas dificuldades.

Os apelidos tanto podiam provir de alguma qualidade física quanto moral e passaram a ser incorporados como sobrenomes. A partir deles, constituíram-se cinco correntes principais:

  1. Sobrenomes formados a partir de um nome de profissão, ofício, as coisas que produziam ou vendiam, ou de um apelido junto a um nome de pessoa que passava de pai para filho, mesmo quando este já não exercia a mesma profissão.
  2. Sobrenomes que derivam de aspectos físicos ou de caráter.
  3. Sobrenomes derivados dos nomes dos pais.
  4. Outros dizem de quem descendem ou com que outras coisas tinham relação.
  5. A maior fonte de sobrenomes, porém, foram os lugares de onde procediam as pessoas.

Nas buscas para encontrar a origem do sobrenome Dametto, encontrei duas referências. Na certidão emitida pelo Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA) consta esta “Family Name History”:

“Family Name History”. Certidão emitida pelo Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA).
“Family Name History”. Certidão emitida pelo Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA).
Transcrição da certidão emitida pelo Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA)
Transcrição da certidão emitida pelo Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA)
Brasão da Família Dametto registrado no Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA).
Brasão da Família Dametto registrado no Historical Research Center (Kissimmee, Flórida, EUA).

Na listagem “Nomi e cognomi personali degli iscritti all’Utem”, a cura di Edda Arca. Università della terza età Montebelluna – Anno accademico 2008-2009 (p. 3), consta o sobrenome Dametto como patronímico (derivado de Adamo):

Sobrenomes patronímicos
Sobrenomes patronímicos

http://www.utem.it/dispense/Storia%20locale/Nomi%20e%20cognomi,%20Edda%20Arca.PDF

As famílias Dametto que emigraram para o Brasil são provenientes de diferentes províncias da Itália, desde o Vêneto ao norte até a Calábria ao sul. Algumas famílias emigraram para os Estados Unidos, onde também há muitos cidadãos com o nosso sobrenome. Podemos presumir, então, que não fazem parte de um único tronco, ou seja, não têm parentesco apesar do mesmo nome de família. Algumas famílias talvez tenham tido o sobrenome derivado de Damato, originado a partir do nome pessoal Amato (cf. a certidão emitida pelo Historical Research Center) ou de Adamo (cf. a listagem acima).

A explicação mais plausível é a exposta no item 5: “A maior fonte de sobrenomes, porém, foram os lugares de onde procediam as pessoas.” Por exemplo, de Dalmácia: Dalmás, Damasceno, Damassini, Dalmazzo, Dametto. Nos primórdios talvez fosse Dalmetto e depois tenha sofrido variações ortográficas.

Por essa origem, o sobrenome Dametto guarda relação com o nome da antiga província romana Dalmazia e insere-se na história das migrações ocorridas desde o Império Romano. Nessa perspectiva, nossos antepassados, quando decidiram partir da Itália, não sentiram medo da longa viagem que teriam pela frente. Um longo percurso, no tempo e no espaço, já lhes tinha ensinado o caminho do mar.

Dalmácia romana

Na Antiguidade Clássica a Dalmácia era uma antiga província romana na região oriental da costa do Adriático. O território da província abrangia a maior parte dos modernos estados da Albânia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro e Sérvia, uma área muito maior que a moderna Dalmácia.

Mapa da antiga Dalmácia, separada da Península Itálica pelo mar Adriático. O Adriático é uma parte do mar Mediterrâneo, um golfo muito alongado fechado ao norte. Ele banha o norte e o leste da Itália e o oeste da península balcânica.
Mapa da antiga Dalmácia, separada da Península Itálica pelo mar Adriático. O Adriático é uma parte do mar Mediterrâneo, um golfo muito alongado fechado ao norte. Ele banha o norte e o leste da Itália e o oeste da Península Balcânica.

O nome “Dalmatia” passou a ser utilizado provavelmente a partir da segunda metade do século II a.C. O imperador Diocleciano nasceu na Dalmácia. No seu reino (284-305 d.C.) reformou o governo do Império Romano criando a Tetrarquia. A Dalmácia ficou sob a jurisdição do Império Romano do Oriente, do próprio Diocleciano.

O historiador alemão Theodore Mommsen escreveu (em sua obra The Provinces of the Roman EmpireAs Províncias do Império Romano) que a Dalmácia já estava completamente romanizada e já falava o latim no século IV.

Em 395, Teodósio I dividiu permanentemente o Império Romano e concedeu aos seus filhos a posição de “augusto”. A Dalmácia passou para o controle do Império Romano do Ocidente, do imperador Honório. Sucederam-se imperadores. Em 475, Rômulo Augustulo foi proclamado imperador. Foi deposto no ano seguinte, depois do assassinato de seu pai. Odoacro, o general que depôs Rômulo, não nomeou um novo imperador. Júlio Nepos governou a Dalmácia até 480 como imperador legítimo no Ocidente. Depois que Nepos morreu, a Dalmácia foi anexada, apenas formalmente, ao Império Bizantino pelo imperador Zenão.

Depois da queda do Império Romano do Ocidente em 476 e do início do “Período das Migrações”, a Dalmácia passou para o controle dos godos de Odoacro e Teodorico, o Grande, que governaram a região de 480 até 535. Caiu pela primeira vez sob controle bizantino na década de 530, quando os generais do imperador bizantino Justiniano I (r. 527-565) conquistaram a região na guerra contra os ostrogodos.

O Império Bizantino tinha nominalmente o domínio do Reino da Croácia, da Dóclea e da República de Veneza. Para controlar a região da Dalmácia, criou o Thema da Dalmácia, uma província civil-militar ou subdivisão territorial para exercer essa autoridade. Localizava-se na costa oriental do Mar Adriático, no sudeste da Europa. Sua capital era Zadar. (O “Thema da Dalmácia” não deve ser confundido com a antiga província romana da Dalmácia descrita acima).

Na Alta Idade Média, a Dalmácia bizantina foi arrasada por uma invasão ávara que destruiu sua então capital, Salona, em 639. Depois dos ávaros vieram as grandes migrações eslavas.

As invasões dos ávaros e eslavos no século VII destruíram as principais cidades e devastaram a zona rural. O controle bizantino permaneceu apenas nas ilhas e em poucas cidades costeiras (como Split e Ragusa – Dubrovnik). Zara (Zadar) tornou-se a sé episcopal e o centro administrativo da região, sob um arconte.

Na virada do século VIII para o IX, a Dalmácia foi conquistada por Carlos Magno (r. 768-814), mas ele devolveu a região aos bizantinos em 812, após a chamada “Pax Nicephori”. É incerto se a região esteve de fato sob o controle bizantino ou se havia apenas uma autoridade nominal daí em diante. As cidades parecem ter sido virtualmente independentes.

República de Veneza

Com a queda do Império Carolíngio, os francos deixaram de ter influência sobre a região ao mesmo tempo em que aumentava o poder da República de Veneza. Esta começou em 697, quando os venezianos elegeram o primeiro chefe (dux, depois Doge) independente do Império Bizantino.

O controle bizantino sobre as cidades da Dalmácia começou a ser contestado pelos principados locais, gerando vários conflitos. No final do século XI, o Reino da Hungria tomou o lugar do Reino da Croácia no controle da região setentrional da Dalmácia. Dóclea continuou sob o controle bizantino, mas uma série de conflitos internos enfraqueceu seus líderes.

O domínio bizantino foi restaurado sob o imperador Manuel I Comneno (r. 1143-1180), mas enfraqueceu após a morte de Comneno. Os bizantinos já não eram capazes de manter o controle de forma consistente na Dalmácia e deixaram definitivamente a região depois que a Quarta Cruzada conquistou Constantinopla em 1204.

Mapa da República de Veneza (área verde) em 1796.
Mapa da República de Veneza (área verde) em 1796.

A República de Veneza passou a controlar a maior parte da Dalmácia de 1420 a 1797, sendo o enclave mais ao sul chamado de “Albânia Vêneta”. A língua vêneta foi a língua franca no mar Mediterrâneo naquela época e influenciou fortemente a língua dálmata e, num menor grau, o croata e o albanês.

Muitos foram os conflitos entre venezianos, bizantinos, croatas e albaneses para o controle das cidades da Dalmácia. O controle de Veneza durou até 1797, ano em que a Sereníssima República foi invadida por Napoleão Bonaparte, que com o Tratado de Campoformio cedeu seu território ao Império Austríaco. As regiões ao norte da Península Itálica foram recuperadas da Áustria durante as guerras da unificação da Itália, entre 1848 e 1866.

Mar Adriático

Historicamente, o mar Adriático desempenhou papel de grande importância no comércio europeu, primeiro na época romana e, depois, na Idade Média e sob o domínio veneziano, pois constituía o caminho marítimo mais curto para o intercâmbio de mercadorias com o Oriente. Ele tem 820 km de comprimento e de 160 a 220 km de largura. Essa proximidade facilitava a navegação e as migrações que aumentaram a partir do século V.

DALMAZIA [De Agostini, Giovanni; Nicouline, Vesevolod Petrovic 1890-1962] David Rumsey Historical Map Collection.
DALMAZIA [De Agostini, Giovanni; Nicouline, Vesevolod Petrovic 1890-1962] David Rumsey Historical Map Collection.
Podemos imaginar que, entre os migrantes que se deslocavam da Dalmácia romana para os reinos da Península Itálica, também estivessem nossos antepassados. Tinham seus nomes próprios, iguais ou semelhantes aos de tantos outros nomes de indivíduos naquelas regiões. Para distinguir uns e outros, davam-se apelidos que remetiam aos lugares de onde procediam as pessoas. Por exemplo, de Dalmácia: o Pietro Dalmás, o Giovanni Damassini, o Francesco Dalmazzo, o Giuseppe Dametto.

Para se compreender a origem e mutações dos sobrenomes é necessário recorrer à linguística histórica, porque estuda as raízes distantes que propiciaram o surgimento e a fixação dos nomes e sobrenomes. Esta parte da linguística que remonta aos vocabulários arcaicos é chamada de etimologia. Aprendemos, no livro Filhos Quondam de Ciro Mioranza: “Quase todos os idiomas passam, através dos séculos, por uma série de transformações na pronúncia e na escrita. Estas modificações são chamadas de linguística histórica, são transformações fonéticas. São mais profundas e marcantes quando ocorrem na passagem de uma língua para outra.”

Assim, o sobrenome (cognome) Dametto também sofreu e vem sofrendo alterações, devido a vários fatores: pronúncia, erros cartoriais, prosódias locais.

Penso que a tarefa de pesquisar explicações do nosso sobrenome pertence aos Damettos da Itália, que dispõem de arquivos e de muitas fontes nos seus comunes e paróquias. Afirmaria, apenas, que nosso sobrenome não se fixou num momento e num lugar definidos, quando algum tabelião decidiu registrá-lo pela primeira vez. Em tempos diversos, cidadãos de diferentes lugares recebiam os mesmos apelidos, de acordo com uma característica física, psicológica, moral, ou segundo seu lugar de origem.

Como a maioria dos sobrenomes, o nosso também tem várias grafias, sendo Dametto a mais usada. A explicação etimológica é que, na Itália, escrevem e pronunciam mais fortemente as consoantes finais. Os emigrantes italianos, em geral, não escreviam seus nomes. Ditavam-nos para outros escreverem, seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Argentina – países para onde se dirigiram na época da grande emigração italiana.

O sobrenome Dametto sofreu alterações, seja por questões linguísticas ou por erros de registro que passaram a ser incorporados. Quem nunca se deparou com uma grafia errada de nomes e sobrenomes nas certidões de nascimento?

Quem quiser conhecer variáveis do nosso sobrenome e quantos somos pelo mundo afora, consulte o site

http://forebears.io/surnames/dametto#/similar

Referências:

CIBRARIO, L. Dell’origine dei cognomi italiani, Bollettino dell’istituto storico italiano, 1860.

De FELICE. Dizionario dei cognomi italiani. Milano, 1978; I cognomi italiani, Bologna, 1980.

MIORANZA, C. Filius Quondam: a origem e o significado dos sobrenomes italianos. 2 ed. São Paulo: Larousse, 2009.

SERRA, G. D. Per la storia del cognome italiano: I e II “Dacoromania”, II 1924 e IV 1926, III Rivista Filologica.

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